Programa de Reabilitação Neuropsicológica para pacientes com TCE

 

O traumatismo cranioencefálico é uma lesão adquirida, geralmente difusa, podendo ter conseqüências transitórias ou permanentes. O TCE pode causar mudanças em todos os aspectos: cognitivos, físicos, perceptivos, emocionais ou comportamentais. As causas mais freqüentes são: acidentes automotivos, quedas, ferimentos por arma de fogo, acidentes esportivos, entre outras.
Em outras épocas a mortalidade era elevada, porém, com o advento de melhorias nos padrões de primeiros socorros, dos modernos métodos de monitoração, das novas abordagens terapêuticas e da melhor compreensão dos efeitos secundários dos TCE, houve um aumento da morbidade, elevando-se em muito o número de seqüelados.
O aumento da morbidade em conseqüência da diminuição da mortalidade requer maior atenção no aspecto interdisciplinar da reabilitação, que terá como objetivo a reintrodução destes pacientes à comunidade e melhoria de sua produtividade. A família e o paciente são partes integrantes da “equipe” de reabilitação; portanto esta cooperação é fundamental.
Avaliação e intervenção neuropsicológica em pacientes com TCE:
A avaliação do paciente começa pelo estudo do seu histórico.
É importante obter informações detalhadas sobre o paciente, desde sua idade, histórico, educacional e profissional, até seu histórico psicossocial, interesses de lazer e estilos pessoais (comunicação, personalidade). É necessário se colher informação sobre a nota inicial na escola de Glasgow, o tempo de permanência em coma, tempo de amnésia pós-traumática, resultados de tomografia e/ou ressonância magnética, respostas oculovestibulares, existência de complicações secundárias (como anóxia, hematomas, aumento da PIC), déficits motores e sensoriais, medicações e status médico atual.
O objetivo principal nos primeiros contatos com o paciente é de conseguir extrair uma resposta seja ela verbal ou não-verbal.
A reabilitação passa a ser a intensificação da resposta. As atividades propostas ao paciente devem facilitar a atenção, percepção, discriminação, organização, memória, análise e solução de problemas. Elas devem ser individualizadas e ter cunho hierárquico de complexidade.
As habilidades pré-morbidas devem ser cuidadosamente consideradas durante toda a reabilitação e, por essa razão, faz-se necessário o estudo detalhado do histórico de cada paciente.
Como o quadro sintomatológico desses pacientes muda rapidamente e o terapeuta deve estar atento para constantes reavaliações e reformulações dos objetivos terapêuticos e das estratégias utilizadas.
Alterações de linguagem nos pacientes com TCE:
Embora a maioria dos TCE apresente lesão cerebral difusa, resultando em déficits lingüístico-cognitivos, alguns podem apresentar lesão mais focalizada no hemisfério dominante, mais especificamente nos lobos frontal e temporal, resultando em afasia. A classificação da afasia vai depender dos sintomas apresentados pelo paciente. A seguir são listados as mais comuns e algumas das nomenclaturas usadas:
v Afasia global;
v Afasia de Broca / de expressão / motora / não-fluente;
v Afasia de Wernicke / de recepção / sensorial / fluente;
v Disnomia (ou anomia);
v Afasia de condução;
v Afasia transcortical;
v Afasia mista.
 
Na literatura pertinente vemos o relato de que o paciente é acometido, inicialmente, por um afasia global onde não consegue compreender ordens simples, apresenta expressão verbal mínima ou ausente e grande confusão mental. Progredindo para afasia de Wernicke, na qual os erros incluem aproximações semânticas, circunlocuções, representações concretas e distúrbios de leitura e escrita. As lesões em área de Broca também podem ocorrer, muitas vezes por compreensão, edema ou hematoma cerebral no hemisfério dominante. A linguagem, nesses casos, se caracteriza como não-fluente, com distúrbios de articulação e agramatismos.
A disartria também é um sintoma comum nos pacientes com TCE, podendo ser de origem central, como lesões nas áreas motoras do cérebro, ou periférica. Qualquer trauma que afete o movimento e a coordenação da musculatura dos órgãos fonoarticulatórios pode resultar numa disartria.
Alterações Cognitivas em pacientes com TCE:
Distúrbios nos processos cognitivos são comuns em pacientes com TCE. Esses processos podem estar comprometidos em seus diferentes graus, do mais grave ao mais leve, e em diferentes aspectos, como, p.ex., nível de consciência e alerta, percepção, atenção seletiva, discriminação, organização, memória e raciocínio. É muito difícil traçar um limite entre um processo e outro.
Situações não familiares são particularmente estressantes e geralmente nesses momentos comportamentos específicos podem emergir, p.ex.:
v Dificuldade em entender o ponto de vista do outro;
v Rigidez para modificar uma opinião;
v Inabilidade para esclarecer uma informação;
v Dificuldade em reconhecer o ponto principal de uma conversa;
v Dificuldade em obedecer a troca de turnos durante o diálogo;
v Dificuldade em dar ou receber e aceitar um “feedback”;
v Preocupação exagerada com os próprios objetivos, dificultando outras decisões;
v Apresentação de informações em exagero ou insuficientes;
v Dificuldade em mudar de um assunto para outro;
v Falta de auto-estima;
v Inabilidade em conectar objetivos de curto prazo com os de longo prazo;
v Estabelecimento de metas e aspirações que não condizem com sua realidade.
 
Alterações na comunicação no paciente com TCE:
Os aspectos mencionados nos dois itens anteriores, se alterados, minimamente ou não, acabam comprometendo uma função mais ampla: a da comunicação.
As habilidades inerentes ao bom comunicador, como, saber interagir com o interlocutor de forma apropriada, obedecer os processos paralingüísticos, sinestésicos e proxêmicos (olhar, acenar, sorrir), obedecer os rituais formais (cumprimentar, iniciar uma conversa), ser capaz de pedir ou dar informações e lembrá-las, expressão sentimentos e desejos, compreender ordens verbais complexas, nomear, podem muitas vezes falhar no paciente com TCE e passar despercebidas em uma avaliação rápida e informal.
Reabilitação
A reabilitação funcional tem como objetivo a comunicação, incluindo aí as funções cognitivas e psicossociais; as unidades a serem medidas devem ser o discurso e a capacidade de interação social; o ambiente de reabilitação deve variar e se aproximar ao máximo da vida real do paciente e das atividades do dia-a-dia. A proposta deve ser usar as capacidades residuais, ensinar estratégias compensatórias e adaptação funcional.
Os princípios que darão suporte à reabilitação são:
a. O paciente deve ser informado sobre suas disfunções causadas pela leso cerebral e o caminho que deverá se seguir. É fundamental que o paciente esteja envolvido plenamente para que haja progresso e motivação;
b. A reabilitação deve estar focada na adaptação funcional, no ajuste e na compensação;
c. O paciente deve entender que os objetivos da reabilitação estão voltados para suas necessidades funcionais;
d. As atividades terapêuticas devem ser o mais realistas possível;
e. O paciente deve estar ciente dos objetivos para melhorar suas habilidades lingüístico-cognitivas, sendo sempre lembrado sobre eles;
f. A família e os amigos devem estar ativamente envolvidos no processo de reabilitação, para que isso sirva de motivação e o paciente;
g. O paciente deve aprender a se auto-avaliar no desenvolvimento do tratamento.
 
Agrupar pessoas com dificuldades semelhantes traz benefícios para todos os envolvidos. Tanto as terapias individuais quanto as em grupo proporcionam oportunidades importantes para o processo de reabilitação. É notório que a experiência de estar em contato com outras pessoas aumenta as possibilidades de interação social e de melhora a habilidade de monitoramento em um ambiente social.
Também é fato que o convívio social ajuda a aumentar a auto-estima e a motivação, e a melhorar a habilidade de desenvolver objetivos realistas a curto e longo prazos.
O programa de reabilitação deve incluir a readaptação do paciente à comunidade. O acompanhamento, mesmo que indireto do profissional, da readaptação ou mesmo adaptação à vida produtiva (social, acadêmica ou profissional) encoraja, motiva e, portanto beneficia o paciente. 

 

Artigo escrito por Dra. Karla Behring Cardoso (psicóloga)

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