TDAH: um transtorno antigo e quase desconhecido

 

O Transtorno de Déficit de Atenção (TDA) é caracterizado por uma atenção desenvolvida de maneira inadequada, por impulsividade e, em alguns casos, por hiperatividade (TDAH).
O TDAH é uma deficiência neurobiológica de origem genética, que afeta de 3 a 5 de todas as crianças em idade escolar. Até recentemente, acreditava-se que os sintomas do TDAH desapareciam na adolescência. Sabe-se, agora, que muitos sintomas acompanham o crescimento, e 30 a 70 dos portadores podem vir a ter dificuldades emocionais, profissionais e em seus relacionamentos sociais e afetivos na idade adulta.
Em 1902, a ciência médica começou a notar, pela primeira vez, crianças que apresentavam falta de atenção, impulsividade e hiperatividade à semelhança de adultos que haviam sofrido lesão cerebral no lobo frontal direito. Desde então, a deficiência teve vários nomes, como Disfunção Cerebral Mínima e Reação Hipercinética da Infância. Em 1980, o diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção foi formalmente reconhecido no Diagnostic and Statistical Manual, 3rd Edition (DSM III) – o manual de diagnóstico da Associação Americana de Psiquiatria – também adotado no Brasil como referencial para diagnóstico dos problemas de saúde mental. A versão revisada de 1984 agregou o termo Hiperatividade, de modo que temos hoje, oficialmente, o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade.
O PROBLEMA
Normalmente, as características do TDAH aparecem na primeira infância. O comportamento é crônico, com duração de no mínimo 6 meses. As características devem estar presentes em mais de um ambiente.
Atualmente, 4 subtipos de TDAH foram classificados:
1. tipo desatento – a pessoa apresenta, pelo menos, seis das seguintes características:
a) não enxerga detalhes ou faz erros por falta de cuidado.
b) dificuldade em manter a atenção.
c) parece não ouvir.
d) dificuldade em seguir instruções.
e) dificuldade na organização.
f) evita / não gosta de tarefas que exijam um esforço mental prolongado.
g) freqüentemente perde os objetos necessários para uma atividade.
h) distrai-se com facilidade.
i) esquecimento nas atividades diárias.
 
2. tipo hiperativo impulsivo – é definido se a pessoa apresenta seis das seguintes características:
a) inquietação, mexendo as mãos e os pés ou se remexendo na cadeira.
b) dificuldade em permanecer sentada.
c) corre sem destino ou sobe nas coisas excessivamente (em adultos, há um sentimento subjetivo de inquietação).
d) dificuldade em engajar-se em atividades silenciosamente.
e) falta excessivamente.
f) responde a perguntas antes delas serem formuladas.
g) age como se fosse movida a motor.
h) dificuldade em esperar sua vez.
i) interrompe e se intromete.
 
3. tipo combinado – é caracterizado pela pessoa que apresenta os dois conjuntos de critérios dos tipos desatento e hiperativo/impulsivo.
 
4. tipo não específico – a pessoa apresenta algumas características mas número insuficiente de sintomas para chegar a um diagnóstico completo. Esses sintomas, no entanto, desequilibram a vida diária afetando não só os portadores mas as pessoas que convivem com eles.
 
Alunos com TDAH têm grande incidência no número de repetências, evasão da escola, baixo rendimento escolar e dificuldades de adaptação social e emocional. Isso se deve, principalmente, ao fato de que o TDAH torna a criança vulnerável ao fracasso nas duas áreas mais importantes para um bom desenvolvimento – a escola e o relacionamento com os colegas.
O TDAH é com freqüência apresentado, erroneamente, como um tipo específico de problema de aprendizagem. Não é. Crianças com TDAH não são incapazes de aprender, mas têm dificuldade na escola por causa da falta de organização, de atenção e da impulsividade. Algumas crianças com TDAH também apresentam, realmente, um problema de aprendizagem, complicando ainda mais o diagnóstico e posterior tratamento. Um número significativo de crianças com TDAH – talvez em torno de 50% ­­-- jamais é corretamente diagnosticado.
Crianças portadoras de TDAH não costumam apresentar, em sua rotina diária, sinais sérios de problemas emocionais. Entretanto, se não forem adequadamente diagnosticadas e tratadas, podem desenvolver dificuldades emocionais importantes, como problemas de comportamento, depressão e, até mesmo abuso de substancias químicas.
Muitos adultos que têm TDAH nunca foram corretamente diagnosticados quando crianças. Cresceram mesmo lutando com uma dificuldade neurobiológica que nem mesmo sabiam que tinham. Alguns foram chamados de “hipercinéticos” ou “hiperativos” e ouviram que seus sintomas desapareciam com a adolescência. Como resultado disso, muitos desenvolveram outros problemas, que ajudaram a mascarar o TDAH.
A CAUSA
Em 1990, Revista Médica da Nova Inglaterra, USA (New England Journal of Medicine) publicou o resultado de estudo feito por pesquisadores do Instituto Nacional de Saúde Mental que se tornou um marco. Técnicas avançadas de neuroimagem foram utilizadas para comparar o metabolismo do cérebro de adultos com e sem TDAH. O estudo documentou que adultos com TDAH utilizam glicose – a maior fonte de energia do cérebro – numa proporção menor que adultos sem TDAH. Esse metabolismo reduzido estava mais evidente na área do cérebro responsável pela atenção, escrita, controle motor e inibição de respostas.
Esses estudos do metabolismo do cérebro, combinados com dados de outros estudos sobre histórico familiar e conseqüências de abuso de drogas, convenceram os pesquisadores que o TDAH é um transtorno neurobiológico, não provocado por um ambiente familiar caótico.
DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO
O processo que determina se uma criança tem TDAH é constituído de muitas facetas. Diversos problemas biológicos e psicológicos podem contribuir com sintomas similares aos apresentados pelos portadores. Ansiedade, depressão e certos tipos de problemas de aprendizagem causam sintomas semelhantes aos provocados pelo TDAH.
Uma avaliação abrangente é necessária para eliminar outras causas e determinar a presença ou ausência de fatores concomitantes. Essa avaliação freqüentemente inclui testes de inteligência e o levantamento do comportamento acadêmico, social e emocional, assim como das habilidades compatíveis com o estágio de desenvolvimento da criança. Mede-se, ainda, a capacidade de atenção e o nível de impulsividade, incluindo-se avaliação dos pais e de professores. Um exame médico completo também é importante.
O diagnostico para adultos supõe um histórico da infância, do processo escolar e do comportamento.
O tratamento de crianças com TDAH supõe intervenção psicológica, pedagógica e médica, além de técnicas de mudança de comportamento. Uma abordagem que envolva todas essas áreas inclui:
- treinamento dos pais em controle do comportamento
- um programa pedagógico adequado
- aconselhamento individual e para a família, quando necessário
- medicamento, quando necessário.
Os medicamentos mais utilizados no controle dos sintomas relacionados com o TDAH são os psicoestimulantes. Esses medicamentos ajudam a diminuir a impulsividade e a hiperatividade, a aumentar a atenção e, algumas crianças, a reduzir agressividade.
O controle do comportamento é uma intervenção importante para crianças com TDAH. A técnica mais eficiente é o reforço positivo, em que a criança recebe uma recompensa após ter demonstrado um comportamento desejado.
O sucesso na sala de aula pode exigir uma série de intervenções. A maioria das crianças com TDAH pode permanecer na classe normal, com pequenas intervenções no ambiente estrutural da escola, modificação de currículo e estratégias adequadas à situação. As crianças com problemas mais sérios exigem sala de aula especial.
Adultos com TDAH podem se beneficiar se aprenderem a estruturar seu ambiente. Medicamentos estimulantes também ajudam. Aconselhamento profissional é uma importante intervenção. Uma psicoterapia de curto prazo pode ajudar a identificar se e como a deficiência está associada a uma história de baixo rendimento escolar e profissional e dificuldades nas relações pessoais. Uma terapia prolongada pode ajudar a direcionar as mudanças de humor, estabilizar relacionamentos e aliviar a culpa e a frustração.
PROGNÓSTICO
Crianças com TDAH correm o risco de enfrentarem fracasso na escola, problemas emocionais e de relacionamento social. No entanto, com diagnóstico precoce e tratamento adequado podem vir a ter uma vida equilibrada, produtiva e feliz.
Após serem diagnosticados corretamente, adultos com TDAH podem aprender a se adaptar à sua deficiência. Armados de conhecimento e das implicações do que ele acarreta, bem como através de um tratamento adequado adultos com TDAH também conseguem levar uma vida realizadora.
TDAH E A FAMÍLIA
As pesquisas são bem claras: o TDAH não é resultado de um meio familiar tumultuado ou uma família disfuncional, embora, é claro, a criança tenha mais possibilidade de ter seus sintomas agravados se esse for o caso, mas o transtorno não vai aparecer se não houver predisposição para isso.
Por outro lado, as pesquisas também mostram que lares com uma ou mais crianças com TDAH são definitivamente mais conturbados e estressados do que os outros que não têm que conviver com essa dificuldade. Os pais, com freqüência, experimentam alto nível de stress, depressão e culpa e, infelizmente, é relativamente alto o índice de separações nessas famílias como conseqüência do quadro. Então, a primeira coisa que os pais devem fazer é se desfazer da culpa. O problema existe, é neurobiológico, de origem genética, ninguém é responsável por ele, mas, tem que ser reconhecido, aceito e enfrentado.
É muito normal haver dificuldade com os outros filhos, já que a criança com TDAH tende a receber mais atenção dos pais ou, então, a ser o causador de conflitos e de situações embaraçosas. É possível que ocorra o ciúme, a tentativa de chamar atenção nas mais variadas formas, conflitos entre os irmãos e até alguma agressividade. Nenhuma dessas situações é estranha no ambiente familiar de um portador de TDAH.
Todos os membros de uma família onde o TDAH é outro membro provavelmente concordam que é comum surgirem problemas com empregados, parentes e amigos, além deles próprios acabarem sofrendo os mais variados tipos de conseqüências em decorrência da situação.
Não é fácil ser pai ou mãe de um portador de TDAH. Esse é um desafio que traz enormes oportunidades de aperfeiçoamento pessoal e realização para o pai ou a mãe. Não há cura para o transtorno, mas alguns princípios sólidos permitem melhorar o comportamento, as relações sociais e o ambiente familiar.
TDAH E A ESCOLA
Ao tomar conhecimento das dificuldades que ocorrem numa família com membros portadores de TDAH, é provável que os professores comecem a entender a atitude dos pais, da mesma forma que os pais podem se sensibilizar com a situação dos professores se souberem das reais dificuldades que seus filhos encontram na escola. O objetivo desse “insight” da situação do outro é fazer com que ambos – pais e professores – compreendam que devem ser parceiros de uma mesma empreitada, e não rivais de uma disputa. Não cabe aqui estabelecer de quem é a culpa – pois o objetivo de todos é garantir um futuro de qualidade para essas crianças e jovens, e isso só é possível se houver estreita colaboração entre a família e a escola.
A primeira dúvida dos pais surge justamente na hora de escolher a escola. A pergunta a ser feita é: “O que espero da Escola? Que tipo de educação pretendo para o meu filho?” O ideal é escolher uma escola que esteja o mais próximo possível dos valores da família, que dê importância às mesmas coisas que os pais dão, que siga o caminho que os pais pretendem trilhar, enfim, uma escola que complemente a educação que o aluno recebe em casa. Do contrário, os resultados podem ser desastrosos.
Segundo, já sabendo que o filho requer certos cuidados, é melhor escolher uma escola que tenha a preocupação com o desenvolvimento global do aluno, em vez de uma que vise determinado tipo de sucesso (acadêmico, artístico, esportivo). A escola que melhor atende as necessidades dos portadores de TDAH é aquela cuja preocupação maior está em desenvolver o potencial específico de cada aluno, em atender às suas características únicas, em perceber seus pontos fortes e tentar superar pontos fracos, porque eles irão precisar de apoio e intervenção acadêmica com mais intensidade.
Depois, claro, verificar se a direção e os professores têm algum conhecimento a respeito do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade. Se não têm, estarão dispostos a aprender e a auxiliar da maneira adequada? Haverá vontade para fazer as acomodações que se fizerem necessárias? Existe possibilidade para o trabalho multidisciplinar, com a abertura para a cooperação de outros profissionais especialistas? Se a resposta for negativa, nem arrisque...
A comunicação freqüente entre a escola e a família é um fator importante a garantir nesse novo relacionamento, para que tanto professores como pais possam trocar experiências relevantes para as horas difíceis. Saber o que está se passando durante o tempo que a criança ou o adolescente está no outro ambiente, ajuda a compor o quadro real da situação, e esse confiar no outro é que realmente estabelece a parceria. Nesse sentido, é muito útil um instrumento de comunicação escrita que seja utilizado diariamente. Mas se é um instrumento a ser usado com bom senso, no sentido da cooperação, não da cobrança e da rivalidade.
Os professores são, freqüentemente, aqueles que mais facilmente percebem quando um aluno está tendo problemas de atenção, aprendizagem, comportamento ou emocionais/afetivos e sociais. O primeiro passo a ser dado na tentativa de solucionar os problemas é verificar o que realmente está acontecendo. Essa primeira avaliação deveria ser feita por um grupo dentro da escola, levando em consideração o comportamento do aluno em várias atividades e situações. Depois, um encontro com os pais se faz necessário, onde a escola transmite suas preocupações com o aluno e mostra as opções para um diagnóstico correto, que talvez necessite avaliações de profissionais de outras áreas (saúde, psicologia, etc.) Os professores, no entanto, devem ter o cuidado de não diagnosticar, mas apenas descrever o comportamento e o rendimento de aluno, propondo um possível curso de ação.
Uma vez determinado o problema, outra vez se faz necessário o trabalho multidisciplinar – pais, professores e terapeutas devem fazer um planejamento quanto às estratégias e intervenções que serão implementadas para o atendimento desse aluno (modificação do ambiente, adaptação do currículo, flexibilidade na realização e apresentação de tarefas, adequação do tempo de atividade, administração e acompanhamento de medicação, etc.).
A maneira mais eficiente de tratar o TDAH é exatamente esse trabalho de grupo, que envolve tanto abordagens individuais com o portador (medicação, acompanhamento psicológico, terapias específicas, técnicas pedagógicas adequadas), como estratégias para as outras pessoas que convivem com ele (terapia para os pais ou família, esclarecimento sobre o assunto para os pais e professores, treinamento de profissionais especializados).
Para que uma criança ou jovem com TDAH tenha a possibilidade de desenvolver seu potencial e caminhar pela vida de maneira adequada e gratificante, é necessário que as pessoas envolvidas no processo de acompanhamento mantenham estreita comunicação e forte colaboração.
TDAH E OS OUTROS
As dificuldades encontradas pelos portadores de TDAH no contato social são conseqüência de falhas básicas no processo de socialização, muitas delas decorrentes da dificuldade de atenção e hiperatividade próprias do transtorno.
A maioria dos hábitos que aprendemos para viver bem na companhia de nossos semelhantes, ocorre durante os anos da Educação Infantil. Entre eles, podemos mencionar:
a) compartilhar coisas; b) jogar ou brincar segundo as regras; c) não agredir; d) colocar no lugar as coisas que usamos; e) não pegar coisas que não são nossas; f) pedir desculpas quando magoamos alguém; e g) ficar juntos e cuidar um do outro quando saímos em grupo.
Parece simples e óbvio que crianças maiores, jovens e adultos pratiquem esses hábitos naturalmente mas, na realidade, portadores de TDAH têm dificuldade em seguir as regras. Primeiro, porque essas não são regras escritas, são regras supostamente conhecidas da maioria. E se alguém não prestou atenção quando elas foram explicadas naqueles primeiros anos? Ou estava distraído quando foi feita a distinção entre um comportamento aceitável e outro não? Ou se a regra é conhecida mas a impulsividade faz com que se fique cansado de esperar?
Assim como na época da pré-escola, o isolamento social é a resposta para quem não obedece as regras. E isso pode se tornar uma bola de neve, porque, uma vez rejeitado, torna-se cada vez mais difícil o relacionar-se com os outros. Outros comportamentos importantes na interação entre as pessoas incluem a linguagem não verbal (contato visual, expressões faciais, movimentos de cabeça e mãos).
Muitas crianças com TDAH também apresentam atraso ou dificuldade na linguagem oral, e isso pode ser uma grande fonte de frustração na sua interação com os outros. Como não conseguem uma comunicação oral efetiva, tentam controlar o ambiente, através de cenas ou mutismo. Por não dominarem a linguagem, podem parecer rudes e ofensivas. Algumas passam uma imagem de desobedientes e opositoras quando, na verdade, não compreendem o que se espera delas por deficiência no processamento auditivo ou na expressão verbal.
As habilidades da comunicação não verbal são adquiridas, principalmente, através de aprendizagem incidental, isto é, observando os outros , copiando seu comportamento, praticando e sendo instruída a respeito do que fazer em determinadas situações. Crianças com TDAH não percebem determinados detalhes, de maneira que não praticam essas atitudes e, quando aprendem alguma coisa, é através da maneira mais difícil e sofrida. Pior que tudo, muitas vezes nem têm consciência do que está errado.
Uma outra dificuldade no relacionamento social dos portadores de TDAH é que os outros, nem sempre, conhecem todos os fatos que permitem entender uma situação e então fazem suposições e atribuições – que podem não ser verdadeiras. Por exemplo, quando um aluno demora demais num projeto é possível que seja considerado preguiçoso, em vez de alguém com dificuldade de concentração. Quando um jovem interrompe uma conversa para contar suas idéias, pode ser tachado de mal-educado em vez de aceito como impulsivo mas genial. Quando um adulto no trabalho pede para o chefe repetir uma instrução, pode ser definido como incompetente em vez de alguém tentando confirmar que entendeu certo a tarefa requisitada.
Essa é uma das razões pela qual o portador de TDAH sente um grande alívio ao ser diagnosticado. Há uma justificativa para o seu comportamento, e é possível fazer os outros mudarem de idéia a seu respeito, além de permitir um controle maior sobre as situações, já que elas têm um motivo explicável.
TDAH é um assunto importante, que não precisa nem deve ser enfrentado sozinho. Profissionais especializados em diversas áreas devem ser engajados na administração da dificuldade. Uma das estratégias mais eficientes para minimizar os problemas de relacionamento social dos portadores de TDAH é o coaching – processo tanto quanto parceria, cujo objetivo é ajudar a tomar os passos necessários para alcançar uma meta, uma visão, um desejo ou um ideal. Um coach é a pessoa que ajuda no processo de autodescobrimento, possibilitando o reconhecimento de pontos fortes e fracos, criando estratégias para fortalecer os pontos positivos e ajudar a lidar com as fraquezas. Dessa maneira, o feedback tão necessário para a aprendizagem de habilidades sociais é garantido.
TDAH NA ADOLESCÊNCIA
A adolescência é uma fase difícil para qualquer ser humano, mas sobretudo para aqueles portadores de TDAH. Para os pais desses adolescentes, é um período incrivelmente desafiador e repleto de experiências comparáveis a uma viagem na Montanha Russa, com muitos altos e baixos, risos e lágrimas e alguns momentos de real perda de fôlego.
As questões relacionadas com adolescentes com TDAH superam as preocupações sobre mal comportamento na sala de aula, lição de casa e escrita deficiente, embora a pressão escolar enfrentada por eles nesse período não possa ser ignorada. Na adolescência, as preocupações giram em torno de comportamentos de risco, como consumo de bebidas e drogas, dirigir carros e motos sem os devidos cuidados, práticas de sexo, violência, depressão e possibilidade de suicídio.
Durante os anos de Ensino Médio, o aluno precisa ter mais que inteligência, conhecimento, motivação e desejo de entrar na faculdade para ser bem sucedido. Hoje em dia, um adolescente precisa ser muito bom em organização, planejamento e controle do seu tempo. É preciso saber equilibrar o tempo e a atenção entre sete ou oito matérias na escola, o esporte praticado, os amigos, a família e, às vezes, um emprego. É necessário ter habilidade em separar as tarefas, organizar as prioridades, completar atividades na hora certa, sem confundir ou perder datas e trabalhos. Tudo isso pode representar um verdadeiro pesadelo para um adolescente com TDAH, cujas dificuldades afloram justamente nessas áreas.
Há alguns anos atrás, dizia-se que a hiperatividade seria superada na adolescência. Embora esse sintoma seja o único que se modifica com o passar dos anos, diminuindo a ponto de passar despercebido, há um aumento da impulsividade, de modo que o comportamento hiperativo/impulsivo continua a provocar problemas para muitos adolescentes. Na maioria das vezes, esses problemas estão relacionados a dificuldades no desempenho escolar, nas relações sociais e à capacidade de obedecer regras e limites da sociedade. Isso pode levar à depressão em virtude dos repetidos fracassos e da falta de amigos ou dificuldade no trato com eles, bem como a enfrentamentos com lei por não se adequarem às normas.
A questão social que se coloca é “como será a criança/adolescente com TDAH na vida adulta?”. Se não for tratado, o TDAH pode moldar a personalidade do adolescente e torná-lo um adulto impulsivo, autocentrado ou fracassado. Essa afirmação contundente serve para mostrar a importância da avaliação precoce e do controle em longo prazo dos sintomas apresentados. As pesquisas que acompanham portadores que recebem tratamentos médicos, pedagógicos e comportamentais por longo tempo mostram que estes apresentam melhores resultados que aqueles que não recebem tratamento algum ou pouco acompanhamento.
Pais de adolescentes com TDAH enfrentam maiores problemas de relacionamento com seus filhos do que a média da população, e a sugestão é que desenvolva um sólido sistema de comunicação, solução de problemas e resolução de conflitos. Além disso, já se sabe que a passagem equilibrada pela adolescência está ligada a um sucesso em alguma área da vida. De modo que voltamos à noção de reforçar os pontos fortes e minimizar os fracos desses adolescentes especiais para possibilitar o sucesso que os levará a um aumento de auto-estima e da autoconfiança.
O resultado mais ou menos positivo na vida adulta de um portador de TDAH está relacionado a fatores temperamentais, intelectuais, emocionais, comportamentais, terapêuticos, familiares e à maneira como foi criado. Um acompanhamento multidisciplinar fornece a ele e à família, nos âmbitos da casa, escola e ambiente social, bem como nos problemas psicológicos, o apoio necessário para permitir a transformação dos riscos da condição enfrentados na adolescência em vantagens na vivência da idade adulta.
TDAH E O ADULTO
Durante muito tempo, se pensou que o TDAH fosse um problema restrito à infância. Os profissionais da saúde freqüentemente pediam aos pais para terem paciência com seus filhos pois, quando chegasse a adolescência, os problemas se resolveriam. Ledo engano ...
Hoje, sabe-se que os sintomas do transtorno acompanham a pessoa pela vida afora e, do total de crianças diagnosticadas com TDAH na infância, 70% delas têm que lidar com dificuldades decorrentes da condição.
O tripé básico do TDAH em adultos é o mesmo que em crianças – desatenção, impulsividade, hiperatividade – mas esses sintomas são freqüentemente disfarçados por problemas resultantes de uma situação tornada complexa por falta de diagnóstico precoce e tratamento adequado, como desorganização, instabilidade de humor, dificuldades no trabalho, abuso de substâncias químicas e outros problemas psicológicos. Portanto, um profissional experiente no assunto é a pessoa mais indicada para fazer esse diagnóstico.
Características:
Segundo o DSM-IV, os sintomas que definem o TDAH em adulto são os mesmos para a definição em crianças, reformulados de maneira a exemplificar melhor o comportamento de adultos, como “não fica sentado quando isso é esperado”, não presta atenção em detalhes ou faz erros de falta de cuidado no trabalho” ou “não segue comandos e não terminam os trabalhos”. Freqüentemente, esses sintomas principais provocam outras dificuldades, que coexistem com as dificuldades primárias de um adulto com TDAH:
01. Memória de trabalho deficiente.
02. Problemas de autocontrole e regulação do comportamento.
03. Dificuldade em controlar as emoções, a motivação e o interesse.
04. Persistência deficiente quanto à finalização de trabalhos.
05. Irregularidade na execução de tarefas e no desempenho profissional.
06. Atrasos crônicos e percepção do tempo deficiente.
07. Entendia-se com facilidade.
08. Baixa auto-estima.
09. Ansiedade.
10. Depressão.
11. Instabilidade de humor.
12. Dificuldades no emprego.
13. Problemas de relacionamento social e interpessoal.
14. Abuso de substâncias químicas.
15. Comportamentos de risco.
 
Os prejuízos decorrentes de todos esses sintomas vão desde os mais leves até os mais graves, com conseqüências no funcionamento diário em todas as áreas da vida humana, ou seja, pessoal, acadêmica, social e profissional. Não esquecer que os sintomas de TDAH podem ocorrer simultaneamente com outras doenças e/ou estressores ambientais, de modo que não se deve fazer um auto-diagnóstico mas procurar um profissional qualificado e experiente para fazer uma avaliação abrangente e adequada.
Avaliação:
Uma avaliação abrangente compreende consultas a um neurologista ou psiquiatra e a um psicólogo clínico ou educacional. Supõe uma entrevista clínica para o levantamento dos históricos médicos, escolares, profissionais, da sintomatologia passada e presente do TDAH, de algum outro tratamento psiquiátrico – incluindo os medicamentos tomados – do comportamento social e das funções adaptativas (p.ex., a habilidade para responder às necessidades da vida diária). Essa entrevista tem como objetivo identificar as três características básicas do transtorno – distraibilidade, impulsividade, hiperatividade – e verificar se elas são crônicas e invasivas. Não deve ser breve nem superficial; deve levar de uma a duas horas.
O ideal seria que o profissional tivesse outras fontes de informação (mãe ou pai, esposa, companheiro) e de vários ambientes (casa, escola, trabalho). É muito importante, também, estabelecer a existência ou não de outros problemas psiquiátricos que expliquem melhor os sintomas apresentados.
Uma avaliação abrangente de um adulto com possível TDAH compreende o uso de escalas de sintomas, a revisão de dados objetivos do passado como boletins, relatórios escolares e outros testes realizados anteriormente, e testes psicológicos para determinar qualquer tipo de deficiência cognitiva ou de aprendizagem que possa estar na base do desempenho deficiente.
Uma avaliação adequada é necessária por três motivos: obter um diagnóstico correto, verificar a presença de co-morbidades médicas ou dificuldades de aprendizagem debilitantes e estabelecer a ausência de outras explicações para os problemas apresentados.
Crescer sem diagnóstico e tratamento para o TDAH pode trazer efeitos devastadores para um adulto. Para alguns, ter uma perspectiva correta e trazer compreensão para dificuldades sentidas desde sempre. A auto-estima é instantaneamente modificada, pois percepções negativas de si mesmo – “preguiçoso, lerdo, desastrada, avoada, maluco” – não são mais justificadas. Há uma razão para esses comportamentos!
Embora não exista cura para o TDAH, um tratamento multidisciplinar adequado, que trabalhe efetivamente na administração dos sintomas, pode melhorar a auto-estima, o progresso acadêmico, o desempenho no trabalho e a aquisição de habilidades sociais que propiciem relacionamentos interpessoais mais satisfatórios.
O passo inicial desse trabalho é o esclarecimento próprio e dos familiares – o que é o TDAH e como lidar com ele. As pesquisas mostram que a maneira mais eficaz de melhorar os sintomas é o tratamento combinado de medicação estimulante com aconselhamento (do tipo que oferece esclarecimento e apoio). Mas, assim como não há um teste especial para determinar a existência do TDAH, também não há um único tratamento para todos os portadores. O tratamento deve ser exclusivo para cada paciente, e abordar todas as áreas comprometidas.
Resumindo, tratamento para adulto com TDAH inclui um ou vários dos seguintes componentes:
Consulta com profissionais adequados
Esclarecimentos sobre o TDAH
Medicamentos
Grupo de apoio
Desenvolver estratégias de comportamento para ajudar nos sintomas como fazer listas, consultar agenda e outras rotinas
Terapia individual e/ou conjugal
“coaching”
orientação vocacional
ajuda nas escolhas educacionais e profissionais
acomodações na escola ou no trabalho
perseverança e esforço
 
Um tratamento multidisciplinar e contínuo pode ajudar na acomodação dos sintomas e permitir que os adultos portadores de TDAH tenham uma vida mais produtiva e satisfatória.
 
ORGANIZAÇÃO: UMA SÉRIA DIFICULDADE NA VIDA DO PORTADOR DE TDAH
A falta de organização pode ser uma pedra muito grande no caminho de uma pessoa com TDAH. O ritmo de vida se tornou tão intenso nos últimos anos, que é difícil para qualquer um ser organizado sempre, quanto mais alguém que carrega a desorganização como sintoma de um transtorno. A vida, então, é um desafio – muitas coisas a aprender e a fazer, trabalhos a entregar, datas a lembrar, encontros, hora marcada, quem, como, onde, etc., etc.
Um aspecto interessante do TDAH é a sua imprevisibilidade. A pessoa pode lembrar e lembra de muitas coisas mas, de repente, esquece um compromisso importante, esquece a prova do dia seguinte, não sabe onde está o material necessário para a escola ou o trabalho, e assim por diante. Essa falta de constância no comportamento pode provocar frustração ou zanga nos outros, que atribuem a desorganização à falta de motivação ou falha de caráter (irresponsabilidade, preocupação apenas com as coisas que lhe interessam e incapacidade de assumir compromissos).
Em primeiro lugar, é preciso reconhecer quais as situações que trazem problemas para depois encontrar a solução – uma estratégia que seja adequada à sua própria maneira de agir, estudar, trabalhar e compreender as coisas e o mundo. Não há uma maneira certa ou errada de fazer as coisas, há a sua maneira, a que funciona melhor para cada um. Qualquer sistema de organização vale a pena ser experimentado, mas alguns deles certamente vão falhar. Algumas pessoas acabam criando seus próprios métodos, aquele que melhor atende às suas dificuldades.
São variadas as dificuldades que afligem os portadores de TDAH. Eles podem ter problemas com: cuidados pessoais, organização de material, organização do dinheiro, organização de lugares e espaços, organização do tempo, organização seqüencial e organização mental.
O primeiro passo a ser dado para minimizar os problemas decorrentes da falta de organização é ajudar desenvolver hábitos organizacionais. Tanto em casa quanto na escola, o melhor a se fazer é criar uma estrutura e manter-se nela.

 

Artigo escrito por Dra. Karla Behring Cardoso (psicóloga)

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