Psicoterapia Cognitivo-Comportamental e Neurociências

 

Ainda que seja possível diferenciar os processos mentais de seu substrato orgânico, entende-se o cérebro humano como um órgão dotado de enorme plasticidade e extremo dinamismo que, diferentemente dos outros, representa para si mesmo algo que está ocorrendo no exterior, enquanto a mente é conjunto de processos que emergem desse funcionamento cerebral.
Descobertas neurocientíficas recentes comprovam não só a plasticidade neuronal do cérebro humano como também a tendência natural do homem de adaptar-se ao meio, através de seu "kit de sobrevivência" afetivo.
O processo psicoterapêutico eficaz provoca mudanças no funcionamento cerebral através de alterações entre conexões neuronais. Essa situação deve ser encarada como uma posição "pró-psicologia", já que é exatamente por meio de relações interpessoais que se alteram representações mentais.
O processo psicoterapêutico desencadeia mudanças no comportamento do paciente, o que inevitavelmente altera o funcionamento cerebral através de transformações nas conexões neuronais e daí a estrutura cerebral e o processo de consolidação da memória.
A busca de um modelo neural dos mecanismos de memória baseia-se nos resultados de pesquisas indicando que o treinamento ou a experiência diferenciada leva a variações significativas na neuroquímica cerebral, anatomia e eletrofisiologia. Assim, pode se acreditar que a psicoterapia é uma poderosa intervenção que afeta e modifica diretamente o cérebro. Desde 1992 há a hipótese de que ela provoca modificações no funcionamento do cérebro vem sendo confirmada através de pesquisas com neuroimagem.
Experiências de reaprendizagem emocional permitem a formação de novas redes de conexões neuronais, o que implica a reinterpretação das experiências passadas e novos trajetos para as percepções e comportamentos, abrindo a possibilidade de formatação biológica do domínio psicológico e de reestruturação emocional, pela modificação dos circuitos de memória tanto explícita quanto implícita.
Novas tecnologias, incorporando as recentes descobertas sobre o funcionamento do cérebro, principalmente os atuais estudos com PET scan (tomografia cerebral computadorizada por emissão de pósitrons) e ressonância magnética funcional, permitem analisar os efeitos não só das modernas medicações psicotrópicas como também das intervenções psicoterapêuticas no funcionamento cerebral. Em 1992 foi feita a primeira pesquisa desse tipo (Baxter et al., 1992), repetida posteriormente (Schwartz et al., 1996). Esses trabalhos comprovaram a eficácia tanto da psicoterapia comportamental como do tratamento farmacológico com serotoninérgicos no tratamento do transtorno obsessivo-compulsivo.
Dados de neuroimagem visual de ensaios clínicos com pacientes diagnosticados com transtorno de stress pós-traumático (TSPT), realizando avaliação pré e pós através de spect (tomografia computadorizada por emissão de fóton único) após terapia com EMDR (movimentos dos olhos para dessensibilização e reprocessamento), mostraram que, após esse tipo de procedimento, houve aumento de metabolismo pré-frontal e diminuição de ativação do sistema límbico (Van der Kolk, 1997).
Pesquisa sobre o resultado da psicoterapia cognitiva no tratamento de sintomas do transtorno de stress pós-traumático (Rauch et al., 1996) verificou, através de medições das mudanças do fluxo sangüíneo no cérebro realizadas por meio de PET scan, assimetria funcional com predominância de estimulação do hemisfério cerebral direito e ativação do córtex visual e desativação da área de Broca. Esses dados corroboram a observação de que os pacientes com TEPT têm dificuldade de estruturar cognitivamente suas experiências traumáticas, tendendo a revivenciar a situação original como se estivesse ocorrendo naquele momento e a não verbalizar essas experiências. Após o tratamento, no qual os pacientes foram expostos a narrativas vivas e detalhadas de seus próprios traumas, os resultados do PET scan revelaram um retorno ao funcionamento do fluxo sangüíneo cerebral simétrico, com ativação da área de Broca.
Estudo usando spect antes e após um ano de psicoterapia num paciente bipolar, com exames de neuroimagem visual comparados com um paciente bipolar controle, que não recebeu nenhum tratamento, e com dez pessoas saudáveis controle mostrou que, no início, ambos os pacientes apresentavam diminuição do metabolismo de serotonina no córtex pré-frontal e tálamo, em comparação com os indivíduos normais e, que depois de um ano de psicoterapia, o paciente apresentou funcionamento serotoninérgico normal (Viinamaki H, Kuikka J, Tiihonnen J. et al., 1998).
Pacientes apresentando depressão maior, de acordo com a classificação DSM-IV, foram submetidos a 12 semanas de tratamento medicamentoso com antidepressivo serotoninérgico (paroxetina) ou com psicoterapia e avaliados co PET scan no início e no final do tratamento. Na avaliação inicial, os pacientes estavam com metabolismo aumentado na região do córtex pré-frontal e diminuído na região do lobo temporal, em comparação ao grupo controle. Após 12 semanas, os pacientes apresentaram mudanças metabólicas em direção à normalização nessas regiões tanto com o tratamento medicamentoso quanto com o psicoterapêutico (Brody et al., 2001).

 

Artigo escrito por Dra. Karla Behring Cardoso (psicóloga)

Bookmark and Share
Bookmark and Share