Dislexia: um transtorno de leitura

 

A dislexia, sob o aspecto neurofisiológico, é uma desordem na mudança súbita de atenção e nos movimentos oculares de busca, havendo diminuição da atividade occipito-temporal esquerda, conforme estudos de tomografia computadorizada com emissão de pósitrons (PET).
A leitura é uma atividade complexa que envolve parte importante do hemisfério cerebral esquerdo. Requer funcionamento harmonioso de uma área de convergência anatômica dos lobos parietal, temporal e occipital situada no segmento posterior do cérebro e da área de Broca, no segmento anterior. Na dislexia, diminui a atividade no segmento posterior do cérebro enquanto se ativa o anterior.
Sendo a dislexia uma dificuldade de leitura já identificada pela neurociência, me fixarei neste primeiro momento nas conseqüências psicológicas que freqüentemente acompanham essa dificuldade específica, comprometendo a aprendizagem da leitura e da escrita.
Para os pais e educadores seria muito útil compreender como esta dificuldade repercute emocionalmente na criança disléxica.
Quando esta criança é apresentada às letras, parece que o seu mundo desmorona. Todos os tipos de ansiedades podem surgir no momento em que algo de diferente dos colegas que, com facilidade e naturalidade, iniciam o processo de alfabetização. Cada criança reage a sua própria maneira: uns podem se intimidar, outros podem se agitar.
Alguns pais relatam mudanças na atitude de seus filhos. Eles não querem ir para a escola, o sono mostra-se intranqüilo, tornam-se inseguros nas relações sociais e acabam questionando a própria inteligência.
A criança, por mais que tente, não consegue aprender o ritmo exigido pela escola. Já os pais vivenciam este momento com muita ansiedade, uma vez que nessa fase a criança começa a se inserir na cultura letrada. Com as dificuldades da criança os pais começam a se mostrar decepcionados.
O problema com a leitura e a escrita é sério persistente e se reflete na auto-estima da criança que se sente incapaz de corresponder às expectativas dos pais e da escola.
As conseqüências podem ser desastrosas. Quando não recebe o suporte adequado, a criança insegura de sua capacidade pode desenvolver uma baixa auto-estima. Se a família desorientada tratá-la como incapaz, isso se refletirá na comprovação da sua auto-imagem, ou seja: se ela pensa que é"burra", a família e a escola a olham como se fosse "burra", então ela fica convicta que é "burra". A criança pode também escolher o caminho da falta de interesse ou relutância frente à tarefa de que não dá conta e, facilmente, ser rotulada de preguiçosa. Assim, ela vai arrastando a imagem de preguiçosa e incapaz, carregando pela vida afora adjetivos injustos que irão influenciar na formação de sua identidade. Muitas dessas crianças relatam sintomas físicos de stress tais como palpitação, sudorese, vertigem, falta de ar, quando confrontados com provas orais e escritas. E os adultos que receberam este diagnóstico tardio descrevem o sofrimento de se acreditarem "burros" e o seu alívio emocional quando descobriram que a dislexia não é uma deficiência intelectual.
A criança disléxica se sente confusa e desnorteada ao não encontrar a palavra que precisa para sua comunicação com o mundo e consigo mesmo. Ela passa por sentimentos como desânimo, medo, frustração, insegurança, dentre outros, que são experimentados diariamente pela criança ao perceber que é diferente das outras crianças e que possui enormes dificuldades naquilo que os outros resolvem com tanta facilidade.
É preciso levar os pais a se colocarem no lugar de seus filhos, pois compreendendo o que a criança sente é condição indispensável para poder ajudá-la. Mas devemos lembrar que não são só os sentimentos da criança que se destacam, mas também as várias emoções que os pais experimentam ao receberem o diagnóstico. Tais emoções giram em torno da negação, raiva, depressão, tristeza, alívio, dentre outras. Os pais nunca imaginaram ter um filho com dislexia, tampouco a criança a desejava para si.
A dislexia não é uma dádiva e tanto o disléxico como seus pais vão ter que trabalhar duro, sempre sendo realistas e persistentes, aprendendo a lidar com esta dificuldade. E tendo sempre em mente que o ser humano possui uma enorme plasticidade e que esta possibilita continuamente novas soluções para os problemas.
Também é imprescindível relatar que habitualmente a dislexia é "diagnosticada" não por profissionais da área da saúde, mas por leigos ou curiosos: parentes, professores do ensino primário, outros professores, etc. Ou seja, por pessoas cuja formação e cujos conhecimentos não permitem realmente um diagnóstico adequado e que, com freqüência cometem erros por não saber realmente reconhecer os sintomas. Ao diagnosticar dislexia ou qualquer outra condição médica sem a devida formação para isso, estas pessoas estão exercendo a arrogância que vem da falta de conhecimentos: a mais terrível e que mais males causa a esses indivíduos diagnosticados indevidamente.
Diagnósticos indevidos de dislexia feitos por indivíduos leigos e despreparados são habitualmente acompanhados por uma rotulação quase instantânea das pessoas que possuem essa condição, como incapazes de aprender; ou seja, de adquirir novas memórias. Este raciocínio é absurdo e totalmente incorreto, pois a imensa maioria dos disléxicos não sofre nenhum transtorno de memória. Pela natureza de sua condição, os indivíduos disléxicos podem, porém experimentar dificuldades durante o aprendizado; já que na dislexia há alterações da sensibilidade acústica a determinados fonemas ou sons e, em conseqüência, déficits na leitura ou na compreensão da palavra oral ou escrita.
Os estudos recentes em neurociências auxiliaram no desenvolvimento de métodos diagnósticos de precisão para a dislexia, possibilitando a existência, hoje, de sistemas de treinamento e ensino que permitem tratar de forma eficaz, auxiliando e minimizando as dificuldades no aprendizado do indivíduo disléxico.
Diagnósticos feitos por pessoas leigas e despreparadas, e pior ainda os rótulos por elas outorgados, deveriam ser sempre desprezados. Os leigos, por tradição, costumam aplicar de maneira demolidora rótulos de incapacidade. Ora, para saber ciências da saúde é preciso estudá-las.
Cada vez que alguém que não pertence à profissões para isso preparadas, treinadas e capacitadas, rotula alguém de disléxico, e faz em conseqüência prognósticos falsos sobre sua competência futura, seria bom lembrarmos que isso acontece devido a uma terrível arrogância que surge do não saber e pensar que se sabe tudo.
Portanto, deixemos o diagnóstico e tratamento da dislexia aos profissionais do ramo, que dela entendem. 

 

Artigo escrito por Dra. Karla Behring Cardoso (psicóloga)

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