Aspectos psicológicos na relação mãe-filho portador de deficiência

 

No trabalho com crianças com necessidades educacionais especiais podemos perceber, deste o início do relacionamento mãe-filho, que a qualidade do vínculo afetivo-emocional manifesta-se alterado desde o recebimento da notícia.
O nascimento de uma criança determina mudanças no ritmo de vida do casal (quando do nascimento do primeiro filho) e principalmente da mãe propiciando uma gama variada de sensações e sentimentos próprios deste momento. Esta criança já apresenta em princípio um lugar na história de vida da mãe, através das expectativas de gravidez e, por sua vez, já possuindo papel determinante no contexto familiar.
A mãe ao deparar-se com a criança real, distante do que foi idealizada, deflagra um processo depressivo que com o exercício da maternidade, através dos cuidados com o filho, vai se dissipando até formar uma relação harmônica entre ela e a criança.
Quando, com a notícia do nascimento da criança, vem a notícia da deficiência, a mãe vivencia sentimentos mais marcantes do que a maioria, dificultando o processo de vinculação, já que a situação experimentada atrasa a visão da criança fazendo com que a mãe enxergue em primeiro lugar a deficiência.
A notícia é sentida de forma traumática ocorrendo uma quebra no vínculo afetivo-emocional mãe-filho, podendo perdurar ao longo da relação os sentimentos vividos de forma intensa neste momento.
A notícia, normalmente (e infelizmente), é passada de forma destrutiva demonstrando as dificuldades dos profissionais da saúde em transmiti-las. As informações, quase sempre, incorretas ou incompletas fornecem subsídios para que as mães desenvolvam uma relação com a criança, entendida como um ser pouco ou nada capaz de evoluir, dando a impressão de uma criança passiva que muito pouco ou quase nada enviará sinais de seu desenvolvimento.
A relação mãe-filho dá-se de forma natural e progressiva. No caso da mãe e da criança com deficiência os resultados nem sempre são satisfatórios, visto que a criança dá respostas mais lentas, devido às suas dificuldades maturacionais, reafirmando à mãe uma sensação de que a criança é pouco capaz. Desta forma, a mãe sente-se abatida e não envia adequadamente sinais para que as trocas significativas ocorram.
O primeiro passo a ser definido e desenvolvido é o de estimulação à mãe, é desenvolver nela o prazer de cuidar de sua criança e a melhor maneira de iniciá-la é através da amamentação, onde se dará o fortalecimento de poder nutrir sua própria criança reafirmando seus sentimentos de mãe e se papel materno, da mesma forma, a criança iniciará um processo de sentir-se segura e nutrida formando a possibilidade de diálogo entre mãe e seu bebê.
Na amamentação a mãe e o bebê trocam significativamente olhares, carícias, apaziguamentos, satisfação oral e de sucção, a percepção do cheiro de cada um, e a partir daí haverá um crescente vínculo afetivo-emocional.
Caso um dos dois não envie adequadamente os sinais de satisfação nas trocas, o outro automaticamente diminuirá os estímulos ocorrendo assim uma quebra no vínculo afetivo-emocional. Esta quebra no vínculo poderá ocorrer tanto pela baixa intensidade de respostas do bebê como pela mãe, que se encontra abatida e deprimida num grau bem superior ao das mães de crianças normais.
Pode-se observar que as mães entram em um estado depressivo acentuado a partir do momento da notícia perdurando ao longo do relacionamento com seu bebê, até que este possa enviar sinais de suas capacidades sensoriais e cognitivas.
Os cuidados maternos e as trocas significativas são, desta forma, feitas com muita depressão e tristeza sem nenhum prazer na relação, demonstrando puramente um momento mecânico do ato de cuidar. A mãe tenta, à todo momento, entender os motivos que a levaram a ter um filho portador de deficiência, ao mesmo tempo algumas tentam negar a todo custo a deficiência do filho.
A depressão e a culpa vividas não deixam que a mãe da criança portadora de deficiência se relacione afetivamente com seu filho, mantendo a relação ao nível quase que exclusivamente dos cuidados básicos, desta forma, relaciona-se com a deficiência ao invés de com a criança.
Verifica-se que os profissionais não encaminham adequadamente sequer a criança para tratamento, o que é de extrema importância para que a mãe possa vencer a crise depressiva, elaborando a “perda” do filho normal e possa vincular-se efetivamente com o seu bebê real.
Outro fator importante é o que se refere ao momento da notícia que, quase sempre, ocorre em horas pouco favoráveis para a transmissão visto que a mãe encontra-se sem condições psicológicas para a recepção devido às situações que envolvem questões do parto. A notícia, via de regra, é transmitida sem a presença do cônjuge, o que a deixa menos segura e amparada, visto que o papel do pai na relação é o de assegurar a maternidade, diante mesmo, de um bebê portador de deficiência.
A maioria das mães no momento do parto, diante das expectativas formadas na gravidez, necessitam saber se seus filhos nascem perfeitos fisicamente e bem de saúde, o que quase sempre, é reforçado pelos médicos que os exibem como prova da perfeição física. Em alguns casos é sabido que alguns médicos tentam justificar a deficiência mental das crianças com a ausência de imperfeições físicas.
As mães, de modo geral, não possuem nenhuma informação anterior à notícia sobre a deficiência em questão. As mesmas ressentem-se de que os médicos passam (quando passam) informações exageradas sobre a deficiência em questão, o que, na maioria das vezes, não corresponde à realidade.
Os sentimentos das mães em relação a seus filhos incluem dados significativos em relação à deficiência como se a maioria das mães não conseguissem se relacionar com a criança como pessoa dependente de ser deficiente. Este fato parece ocorrer pela dificuldade das mães em elaborarem o “luto” pela criança normal reforçado pelas informações passadas sobre a deficiência a mais que a demanda parental necessitava no momento da notícia, aderindo ao discurso da deficiência.
Os pais passam a ter um pânico de morte eminente pela impossibilidade de lidarem com estas informações. Ocorre que a mãe aprende a cuidar da deficiência de seu filho, impedindo a criança de experimentar situações de prazer.
Há um desejo natural de que os filhos tornem-se independentes ao nível de poderem se cuidar sozinhos, esta preocupação está associada às expectativas de futuro, pelo medo diante de suas próprias mortes já que não acreditam na realização afetivo-emocional deles.
É possível se perceber mudanças significativas ocorrendo na vida futura da mãe principalmente em relação ao planejamento familiar que é alterado em função da criança portadora de deficiência, como em relação a aspectos de sua vida pessoal como mudanças na vida profissional, falta de liberdade, referida como “dependência eterna”, atrelada a dificuldades financeiras.
A partir dos dados acima podemos concluir que para obtermos melhoras na evolução da criança, terá de haver uma melhora na qualidade do vínculo materno, que possibilite uma reestruturação no plano psíquico.
Para que a relação afetivo-emocional se dê de forma harmônica a mãe terá que aprender a se relacionar com o bebê real, enviar sinais e obter feedback capaz de manter a relação prazerosa. Precisará trocar com seu bebê, olhares, sorrisos e carícias. Terá que tocá-lo e identificá-lo como seu filho, elaborar o “luto” da criança idealizada e relacionar-se com o bebê presente reconstruindo a criança e mantendo a qualidade do vínculo afetivo-emocional.
Com os dados acima podemos levantar algumas recomendações para oferecer suporte à obtenção da melhoria da qualidade do vínculo afetivo-emocional conseqüentemente agindo sobre a melhoria do desenvolvimento global das crianças.
O diagnóstico da deficiência deveria ser transmitido de forma mais coerente com a realidade, com informações mais precisas e atualizadas e passadas de acordo com a demanda dos pais, assim como, os profissionais deveriam ter o cuidado em verificar o momento mais adequado para a revelação da questão, e a presença dos cônjuges para que um possa servir de suporte ao outro neste momento.
Os profissionais deveriam estar mais aptos para lidarem com a revelação da deficiência assim como apresentarem condições psicológicas para que tenham um melhor trato afetivo-emocional com os pais a fim de que tenham em mente que a revelação de qualquer problema poderá repercutir sérios obstáculos na formação do vínculo entre mãe e filho, assim como alterar toda a dinâmica familiar de forma conturbada e negativa.
Para que os profissionais sejam bem preparados, se faz necessário uma mudança nos currículos universitários, assim como, na estrutura hospitalar com a necessidade de, pelo menos, um profissional apto para tal tarefa nas maternidades.
O acompanhamento aos pais, principalmente às mães de crianças portadoras de deficiência teria que ser uma prática comum, logo após a revelação da notícia para que de forma sistemática a mãe possa elaborar os sentimentos de perda do filho normal e culpa por ter gerado uma criança deficiente, possibilitando uma melhor qualidade no vínculo materno.
Uma conscientização à população, em geral, sobre as deficiências , auxiliaria, no caso de uma ocorrência. As mães se relacionariam com o fato, embora não esperado, ao menos conhecido, minimizando o impacto da notícia.
Embora julgue que todas as recomendações sejam importantes e essenciais, enfatizo pelo menos a melhoria do desenvolvimento da criança, a atuação dos profissionais nos programas de estimulação precoce, no nível da relação mãe-filho, ajudando a mãe a interagir com seu filho, através das trocas significativas, possibilitando os olhares, toque, cheiro, etc.
Por mais contraditórios que sejam seus sentimentos, encorajá-las e enxergar o filho por detrás da máscara da deficiência.
Ao se conseguir que a mãe se relacione com seu bebê e não com a deficiência o vínculo afetivo-emocional estará reconstruído e conseqüentemente todo o restante do trabalho de estimulação estará garantido. 

 

Artigo escrito por Dra. Karla Behring Cardoso (psicóloga)

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